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sexta-feira, 16 de agosto de 2013

São Lourenço e região do Circuito das Águas criticam superexploração de águas minerais

Especialistas pedem mudanças na legislação federal e cobram maior fiscalização sobre o uso desse recurso.



 
Na audiência, foi defendida a valorização dos aspectos ecológicos e socioculturais da água 
- Foto: Lia Priscila 

Considerar, do ponto de vista da legislação federal, as águas minerais como um recurso hídrico, e não só mineral. Implementar a integração dos sistemas de gestão mineral com o sistema de recursos hídricos. Real conhecimento das áreas de recarga das águas minerais. Evitar impermeabilização de áreas prioritárias para produção hídrica. E cobrar fiscalização mais rigorosa e segura técnicamente para o Circuito das Águas. Segundo o coordenador regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente da Bacia do Rio Grande, promotor Bergson Cardoso Guimarães, essas são as iniciativas prioritárias para combater a exploração das águas até o esgotamento. Juntamente com várias autoridades e representantes da população de São Lourenço (Sul de Minas), Bergson participou de audiência pública da Comissão Extraordinária das Águas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta quarta-feira (14/8/13) no município, a requerimento do deputado Ulysses Gomes (PT).

A reunião foi motivada pela preocupação com a exploração descontrolada e extinção de fontes das águas minerais, incluídas no novo marco regulatório da mineração, em tramitação no Congresso Nacional. A intenção é que a exploração das águas seja regida prioritariamente pela legislação hídrica e que elas sejam protegidas e preservadas, por serem um bem natural e as reservas hídricas subterrâneas, em sua maioria, terem propriedades físico-químicas especiais e únicas no mundo, com poder terapêutico.



 
Para o promotor Bergson Guimarães, os comitês de bacia 
têm que ter acesso às áreas de restrição e controle, sendo que a Resolução 76/2007-CNRH não está sendo cumprida - Foto: Lia Priscila 

Bergson observou que o Projeto de Lei Federal 5.807/13, que dispõe sobre a atividade de mineração, rebaixa o status de bem socioambiental das águas minerais, ao considerá-las como objeto de simples autorização, que ficará relegada a forma de regulamentação posterior, ao lado de minérios como areia, argilas e rochas ornamentais. “Com isso, os objetos de licenciamento serão simplificados. Estamos lutando para que haja no licencimento ao menos o estudo de impacto ambiental. Esse projeto de lei considera a água mineral como um bem meramente econômico de baixa qualidade, restringindo ainda mais as formas de controle, para ser vendido o mais barato possível, o que é de suma gravidade”.

Na opinião do promotor, a água mineral não pode ser vista só sob o aspecto econômico, ela é acima tudo um bem ecológico e sociocultural. “São Lourenço, Caxambu, Lambari e Cambuquira nasceram em função das águas, assim como Poços de Caldas, e isso tem que ser reconhecido. E as águas minerais de São Lourenço ainda sequer são tombadas”, afirmou Bergson.

O promotor ressaltou ainda que, sem levar esses fatores em conta, os impasses continuarão. “As águas minerais são recursos minerais ou hídricos? Quem fiscaliza? O DNPM tem estrutura pessoal e técnica para monitorar vazões com frequência? Quem licencia esses empreendimentos?”, questionou. Segundo ele, a Resolução nº 76, de 2007, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos,  tem caráter de lei, mas nunca foi cumprida. “Os comitês de bacia têm que ter acesso às áreas de restrição e controle, e isso não é feito”, criticou.

Audiência ocorre em momento oportuno

O deputado Almir Paraca (PT), presidente da comissão, destacou que este é um ano mais de prospecção em relação às águas, e em 2014 acontecerá uma tentativa de encaminhar as discussões a partir da hierarquização dos problemas, repassando, ao final das audiências, um relatório aos órgãos do Estado e do Governo Federal. Para cumprir o plano, estão sendo visitadas várias regiões do Estado visando a coletar dados que embasarão o relatório final da comissão.



 
O suposto descaso de potências econômicas
em relação ao esgotamento da água foi
lembrado por participantes - Foto: Lia Priscila 



Ulysses Gomes lembrou que, em 2001, a partir de uma grande mobilização em São Lourenço, foi criado o Movimento de Cidadania pelas Águas, contra a superexploração de seu aquífero. Segundo ele, essa superexploração levou ao desaparecimento da fonte magnesiana, à redução da vazão e ao progressivo rebaixamento do solo do Parque das Águas. “Essa audiência ocorre em momento oportuno, quando o Congresso Nacional discute o marco regulatório da mineração. Hoje a água é tratada como minério. Desse modo, a atividade de mineração é orientada por diretrizes de incentivo, não havendo preocupação com o esgotamento da água, admitindo-se seu uso até exaustão. A proposta de novo marco regulatório estabelece que a água mineral deva ser regida pela legislação hídrica”, disse o parlamentar.

A vice-prefeita de São Lourenço, Patrícia Pereira Lessa (PMDB), destacou o conflito entre gestores de recursos hídricos e o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), o que resulta em casos de fontes que secaram e de águas que perderam suas propriedades. “Isso acontece não só em São Lourenço, mas em todos os municípios que têm como fonte de renda suas águas minerais. Se não tomarmos providências, ficaremos sem água com a qualidade que temos aqui, que é considerada uma das melhores do mundo. Porque não há fiscalização atuante, uma legislação que dê segurança para a sustentabilidade da água. Quem está gerenciando e fiscalizando nossa água?”, questionou a vice-prefeita.

Presidente da Comissão das Águas da Câmara Municipal de São Lourenço, o vereador Agilsander Rodrigues da Silva (PSL) afirmou que o código de mineração está sendo protelado devido ao lobby das grande mineradoras. “Nós, que conhecemos nossa água, não podemos ficar reféns de grandes mineradoras, não podemos deixar de lado nossas águas minerais. De São Lourenço pode sair uma legislação federal, um novo marco”, disse o parlamentar.


Cfem não é compensação, diz promotor
Para o presidente da Câmara Municipal, vereador Waldinei Alves Ferreira (PMDB), a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) é o royalty da água mineral. “A água é envazada aqui, mas a Cfem não vem para a cidade, a maioria desse imposto fica no Rio de Janeiro. Se é extraído aqui, pelo menos 80% dela deveria ser deixada aqui”, argumentou.

Em resposta, o promotor de Justiça Pedro Paulo Barreiros Aina ressaltou que a Cfem não é indicada para São Lourenço, pois é compensação por exaustão. “A partir do momento em que a sociedade busca obter recursos da Cfem, vai admitir a exaustão das águas minerais”, alertou.



 
O promotor Pedro Barreiros ponderou que a 
Cfem não é indicada para São Lourenço 
-Foto: Lia Priscila 



Pedro Barreiros abordou ainda outras questões. O promotor foi um dos muitos que fizeram forte crítica à empresa Nestlé Waters, que a partir de 1994 assumiu a Perrier Vitel do Brasil e desde então passou a ser concessionária para explorar o subsolo e as águas minerais no município. Ele lembrou que de 2001 a 2006 transitou ação contra a Nestlé. O Ministério Público foi provocado por abaixo assinado com mais de 3 mil assinaturas, pedindo apuração das suspeitas de superexploração, diminuição da vazão e alteração do sabor das águas minerais. “Se alguém exaure um poço de água comum, sofre severas multas. Contudo, isso não acontece hoje com quem faz o mesmo com água mineral. Isso é um absurdo”, disse o promotor.


Promotor cobra rapidez para resolver problemas


Leandro Pannain Rezende, da 4ª Promotoria de Justiça de São Lourenço, reforçou a necessidade de não tratar a água mineral como um simples minério. “Temos deficiências nos dispositivos legais que possam coibir exploração predatória. Precisamos de mais rapidez e urgência para resolver o problema do Parque das Águas. Precisamos diagnosticar o quanto está sendo explorado e qual é a zona de recarga. E tirar dos órgãos administrativos os interesses escusos de potências econômicas”, salientou o promotor.

“Sinto o descaso da sociedade civil e do poder público de São Lourenço para com nossas águas”, afirmou a representante do movimento Amar Águas, Alzira Fernandes. Ela leu um documento assinado por uma procuradora do DNPM, que defende que a Nestlé tem o direito de explorar a quantidade de água que retira atualmente e, de acordo com a lei, até a exaustão. “Segundo a procuradora, a água mineral não é vital para a sociedade, pois apenas uma parcela mínima da população consome essa água. Se o DNPM não tem nenhuma responsabilidade quanto à sustentabilidade dos recursos, como fica?”, questionou.



 
Autoridades locais cobraram rapidez 
e urgência para resolver problema do Parque 
das Águas - Foto: Lia Priscila 

Alzira solicitou o mapeamento de toda a área de recarga das águas minerais no município, bem como o exame para verificar se elas continuam a ter o poder curativo que as caracteriza. “Precisamos saber com certeza onde estão nossas áreas de recarga e agir para que não sejam permitidas construções próximas a essas áreas”, completou.

Já a ex-vereadora de São Lourenço Maria Lúcia Resende Garcia advertiu que só com o movimento Amar Águas não se chega a lugar nenhum. “A prefeitura e os órgãos municipais têm que entrar de cabeça nessa luta, e temos que nos unir contra a Nestlé”.

Comissão representativa - Ao final da reunião, o deputado Ulysses Gomes propôs a criação de uma comissão representativa, formada a partir dos participantes da audiência pública. Essa comissão continuará a debater os temas discutidos na audiência. Os resultados das discussões dessa comissão serão levados à reunião (ainda sem data marcada) que a Comissão Extraordinária fará com parlamentares que integram, no Congresso Nacional, a comissão especial destinada a analisar o Código de Mineração, como o deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG), relator dessa comissão.